02 junho 2017

O que vejo por aí... #2

Para os lados de lá




Horário combinado, um local desconhecido mesmo sendo na mesma cidade, uma região que nem o GPS acerta. É mesmo longe.

Começo de tarde, céu nublado, sol indo e vindo. Tá friozinho. Blusa de frio, bebê acomodado no banco traseiro e um sutil medinho por dirigir em uma região desconhecida.

A cidade parece a mesma de sempre: muito movimento de carros pelas avenidas, pessoas andando para lá e para cá, descendo ou subindo dos ônibus; no meio dos bairros, ruas vazias, moradores dentro de suas casas de altos muros, portões fechados e cercas elétricas. Claro que nem todos têm essa condição. Naqueles mais pobres, apenas um portão de grade e a torcida para que o ladrão entenda, afinal, não havia muita coisa por ali. Difícil mesmo era contar com essa colaboração, mas era a única saída, já que o policiamento era inexistente, até mesmo após uma chamada.

O caminho conhecido foi percorrido rapidamente com o rádio ligado. Ao adentrar ruas novas, a música foi desligada para que toda a atenção permanecesse no desconhecido.

O GPS não era o de costume, já que não acharia o local de forma tradicional. E a cada vez que a voz feminina dizia “siga por mais 3 quilômetros”, a indignação começava a aflorar. “Por que tão longe assim? Onde fica esse lugar?”.

As avenidas ganhavam mais verde, um asfalto melhor, até o limite de velocidade era diferente de avenidas semelhantes que já conhecia. Ali, poderia andar mais rápido. De um lado, altos muros, árvores frondosas; do outro, comércios de fachada requintada, escolas particulares... ops, escolas não, colégios. Estes não se pareciam com aqueles que estava acostumada, não tinham um formato retangular, grades nas janelas e muito menos cores escuras, eram sempre claros, branco, amarelo e, no máximo, azul-claro; o nome da instituição vinha grande, chamativo. Nomes bonitos, grego talvez? Não eram nem de longe nomes compridos de pessoas que não conhecia, alguns até em homenagem a torturadores.

Manteve-se do lado direito da avenida, pois, mesmo na velocidade máxima, era ultrapassada pela direita por carros enormes, chiques, bonitos. Percebeu não uma, mas várias vezes que os pontos de ônibus eram quase inexistentes. E quando via um era sempre as mesmas pessoas que encontrava: mulheres vestidas de forma simples, com seus cinquenta anos, cabelos presos e aspecto cansado.

A quantidade de casas foi diminuindo, dando espaço para cada vez mais muros que tomavam quarteirões enormes. Mais e mais portarias de condomínios fechados. Seguranças a postos.

Mais avenidas largas, rotatórias bem cuidadas, até as placas de trânsito pareciam novas.

Chegou ao condomínio indicado pelo localizador. A primeira coisa que viu foram as enormes letras reluzentes. Engoliu em seco e ali parou o carro. Olhou ao redor, vendo apenas a guarita de vidros escuros e a cancela. Não sabia o que fazer, nunca passou por aquilo antes.

E o porteiro apareceu, explicou como as coisas funcionavam. Teve que conversar com uma câmera, fazer um cadastro, deixar fotografarem sua carteira de motorista para, assim, finalmente ser autorizada a entrar.

Seus olhos não sabiam onde se fixar. As casas eram enormes, havia terrenos vazios que as separavam, um asfalto mais liso que pista de patinação e cones de trânsito para controlar a velocidade. Sentiu-se na autoescola.

No endereço indicado, estacionou o carro. Desceu, olhou em volta e sentiu calor. Ali o céu não estava nublado, e sim aberto como num dia de verão. Pegou o bebê, trancou o carro e deu passos hesitantes. Não havia portão, não sabia como agir.

A porta de entrada era grande, bonita, larga e estava aberta. Por sorte, a proprietária estava ali, o que não causou outro momento de dúvida. Os passos para dentro da residência foram cautelosos, como se não devesse estar ali. A cozinha era enorme, igual de filmes. Talvez do tamanho do seu apartamento de 62 m².

Tanto o sorriso da proprietária quanto da empregada acalmaram-no um pouco, afastando o desconforto.

O cenário para as fotos estava pronto, e o bebê foi ali posto e fotografado. Tudo foi muito rápido, não durou nem meia hora. Após a despedida, retornou ao seu carro popular, e o sentimento de não pertencimento ao local veio com tudo. O trajeto dessa vez pareceu ser percorrido mais rápido e, mesmo não querendo, respirou aliviada ao entrar em ruas conhecidas.

Olhou pelo retrovisor com uma mistura de sentimentos lhe dominando. Sabia exatamente o porquê de nunca ter ido àquele lugar. Não era só a distância, tudo aquilo não lhe pertencia. Não fazia parte daquele mundo.

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